Pamonhas fresquinhas, pamonhas caseiras...
COME BÉQUI. Aqui estou eu, depois de um longo e tenebroso verão, de longuíssimos trabalhos e dias, de volta à newsletter mais caipira, pé-rapada e pé-vermeia do mundo. Mais caipira que o Jacaré de Oficina, só o XV de Piracicaba, o Rio de Piracicaba e as Pamonhas de Piracicaba.
Roda a vinheta, estrelando Dirceu Bigelli, o inventor do pregão das Pamonhas de Piracicaba:
Olhaí, olhaí, freguesia, São as deliciosas pamonhas de Piracicaba.
Vamos chegando, vamos levando.
Pamonhas fresquinhas, pamonhas caseiras
Temos curau e pamonhas.
É o puro creme do milho verde
Venha provar, minha senhora, é uma delícia.
Pamonhas, pamonhas, pamonhas
(Parênteses: não gosto do termo “jingle”, que designa melodias publicitárias. O nome “pregão” é mais do que consagrado, embora caindo em desuso. Pode descrever músicas anunciando produtos, ou somente um chamado, que no caso das Pamonhas de Piracicaba é quase uma poesia. Muito melhor “pregão” que “jingle”. Combina mais com os chamados das pretas que vendiam cocadas e outros doces nos tabuleiros, encarapitados na cabeça, como consagrado pela música de Dorival Caymmi e na voz de Carmem Miranda. O famoso chamado pelos alto-falantes, nas peruas, brasílias e outros carros que vendiam, e vendem, pamonhas nas ruas, já foi ouvido até em Quebec, nos bairros de população de fala portuguesa).
COISAS DE POBRE. Só quem é pobre pode falar de “coisas de pobre”. Não que seja proibido. Mas com conhecimento de causa e verdade, só pobre mesmo para falar daquilo que conhece bem.
Para começar, se está fazendo vídeo sobre o assunto, é porque não é mais pobre, não é verdade? Pobre de verdade não tem nem celular bom para fazer vídeo. Rum.
Então. Vivi na década de 1980, criança, e não tive dessas frescuraiadas que ficam falando nesses vídeos. Parece que a vida “pobre” dessas pessoas foi num bairro chique de São Paulo. Aqui não, aqui é pobre raiz, direto da Caipirolândia.
Ficam falando das festas de aniversário com bolo feito na padaria. Eita, na minha época era a própria mãe, no máximo a avó, que fazia bolo em casa. Não encomendava não, que era caro pra chuchu. E chuchu sim, era barato, até dava na cerca (neste caso, era de graça).
Falando em cerca, outra coisa que dava na cerca era bucha. Para quem não conhece, a bucha é um legume (isso mesmo, um legume). Quando colhido verde, dá para comer o miolo, depois de refogado, é da mesma família do pepino. Colhido maduro e secando bem, é uma esponja. Era com a bucha que a gente tomava banho. Tanto que a minha família, até pouco tempo, chamava a esponja de supermercado de “bucha”.
Bucha madura, a tal da “esponja vegetal”, e o fruto ainda verde, no pé.
Sobre frutas, não é que a gente comia mais frutas porque eram mais baratas. Nisso o Maurício de Souza acertou: como o Chico Bento faz nos gibis, nós, crianças, roubávamos goiaba e manga, as frutas que mais davam nas beiras de muro e quintais dos vizinhos. Árvores carregadinhas de manga espada, manga coquinho (essa é bem doce, uma delícia), assim como de goiabas brancas e amarelas. Fora a cana-de-açúcar, que meu pai ia buscar, com a filharada no banco de trás da Variant 70, nos canaviais das usinas. Estava na beira da estrada, e umas poucas (umas vinte) canas faziam a alegria dos pequenos.
Pobre de verdade comia merenda na escola, não levava lanche. De vez em quando, filava o lanche dos colegas que levavam lanche nas lancheironas bonitas. Que a gente ficava babando em cima.
Pobre, à vera, usava a roupa até ficar apertada, e as passava para os irmãos mais novos. Sapato também, principalmente o “keds” (meu pai chamava o tênis assim, não sei porque até hoje), a conga ou o kichute. Comprado a suaves prestações em 12 ou mais vezes. E não tinha relógio de trocar pulseira não, isso era para quem era rico, ou seja, de classe média. A gente ficava, de novo, babando, morrendo de vontade.
Então “Keds” é uma marca. Interessante, agora descobri. Google abençoado.
Pobre de verdade abria garrafa de tubaína ou cerveja na borda da mesa.
Criança pobre de verdade não martelava prego no chinelo havaiana, porque nem chinelo tinha, andava descalço, e formava um cascão embaixo do pé, bem grossão. Digno de passar por cima de uma fogueira de São João sem queimar os pezinhos.
COISAS QUE TINHAM PARA VENDER NOS BOTECOS DE ANTIGAMENTE.
Boteco de pinguço. Que sempre a gente chamava de “bar”. “Boteco” era um bar muito sujo, muito xumbrega. Olha o respeito!
Em Piracicaba, a gente comia pão com MORTANDELA, com esse “n” no meio, mesmo. E comprava fiado na venda ou no bar, que tinham uma caderneta para marcar o que a mãe mandava a gente comprar. No começo do mês, no pagamento, o pai pagava a conta. Ou não. Às vezes acumulava para o mês seguinte.
Pão com mortandela. Só pra ilustrar, mesmo.
Naquela época, bar, boteco, vendia “mortandela” e pão. Imaginem, boteco vendendo pão – e era verdade, vendiam um pão francês chamado “bengala”. A bem da verdade, não só nos botecos, mas também nas padarias. Assim como alguns produtos que hoje compramos nos supermercados. Talvez fosse uma reminiscência das “vendas”, “mercearias”, de antigamente, que também vendiam pinga e cerveja. Como os botecos.
A bengala não era uma baguete, era uma bengala: não tão comprido como uma baguete, bem mais largo. Tinha duas pontas que eu adovara, pois sempre vinham torradinhas.
Bengala. Você não, baguete.
E o pão francês pequeno, tinha em alguns lugares, mas por aqui, o chamávamos (e ainda chamamos) de “filão” ou “filãozinho”. Piracicabano chega na padaria e não pede “Por favor, cinco pãezinhos”, e sim, “Vê cinco filão”.
E é engraçado que aqui, mesmo sendo uma cidade tradicionalmente produtora de cana-de-açúcar, não temos o costume de comer pastel com caldo de cana. Aqui, pastel se come com refrigerante caçulinha, daqueles de garrafa de vidro, de preferência da marca Orlando, de limão ou guaraná. Caldo de cana aqui é chamado de “garapa”, e se bebe só ele, misturado com limão ou abacaxi, feito na hora, naquelas moendas embutidas nas peruas Kombi.
Perua de garapa. Essa tá bem montadinha.
Aliás, falando em refrigerante, era muito comum chamarmos qualquer um deles de “guaraná”. Podia acontecer o seguinte diálogo:
- Moço, vê dois guaraná grande [garrafa de um litro, retornável].
- Qual cê qué?
- Uma Fanta e uma Gengibirra.
Detalhe, nenhum deles era sabor guaraná.
A caçulinha, ou seja, a menor das garrafas da época. A melhor pedida para degustar junto com um paster de carne, ou de parmito.
(Nada de “lata ou KS”. KS é algo muito recente – eu fui saber muito recentemente que “KS” queria dizer “garrafa de vidro”; os jovens acham que o termo sempre existiu, como a internet, os celulares e o Felipe Neto. É o susto que tomo, quando vejo que algo firmemente estabelecido para mim mudou. Como quando as pessoas começaram a se referir a “cinco quilômetros” como “cinco cá-eme”, lendo por extenso a abreviação: 5 km. Cá-eme, pombas??? Mas estou divagando).
Outra coisa que lembrei que vendia nos botecos era gás. Esse gás de botijão de 13kg (a gente chamava de “bujão”), igualzinho o de hoje. Imaginem um lugar apertado, não mais que 20 metros quadrados (apertado para conter meia dúzia, ou mais, de pinguços), com estantes abarrotadas de garrafas de bebidas e latarias. No balcão refrigerado, o leite de saquinho, disponíveis os tipos “B” (mais caro e mais gostoso), e o “C” (basicamente, uma lembrança de leite, bem aguado). Neste balcão, também tinha linguiça calabresa, “mortandela”, chouriço caipira, e queijos, para os “tira-gostos” da turma que frequentava o botecão.
E, como fui me esquecer das salsichas no vinagre??? Ás vezes, também tinha sardinha crua enrolada na cebola. A sardinha era pré-cozida, e curtia com o tempo naquele líquido salmorado. Tudo em conserva, num potão. Para pegar a salsicha ou sardinha, não me esqueço: a ferramenta chama-se “fisga”.
Olha elas aí. Aqui, versão chique, com picles.
Num outro balcão, normalmente a caixa registradora, ou a gaveta onde o dono do bar guardava e tirava o dinheiro para o troco. Nesta época, nem pensar em cartão de débito ou crédito, no máximo cheque. Às vezes tinha um aviso: “Não aceitamos cheque pré-datado” ou “Não aceitamos cheque”, ponto. Neste balcão, também, o mostruário dos cigarros, ainda sem as ameaçadoras fotos de pulmões cancerosos.
Atrás dos balcões, uma caixa grande de papelão, onde estavam as bengalas e os filõezinhos. E ao lado, os botijões de gás, mais ou menos uns cinco ou seis, empilhados. Dependendo do bar, não estavam atrás do balcão, estavam na entrada-saída, ou num outro canto.
Hoje, percebo o quanto era perigoso, Imaginem um ambiente onde as pessoas fumavam da forma mais natural que vocês possam imaginar? Sem restrições? Nem mesmo se preocupando com a perigosa equação “gás + cigarro aceso”?
Mesmo assim, pelo que me lembro, nunca ouvi falar de um boteco que tenha explodido por descuido de um bebum que tivesse tacado fogo no mundo por conta de um Minister, ou de um Hollywood (“O sucesso”).
“O sucesso”.
Numa próxima, conto sobre os bares com cancha de jogo de bocha, que aqui chamávamos (chamamos ainda) de bocce, escrito como no italiano. Aliás, foram eles que trouxeram o jogo para cá. Por isso, a grafia, que os bares anunciavam assim “Bar Bocce”.
VOU TE CONTAR, os olhos já não podem ver (mas os ouvidos…)
Ouvido em uma farmácia. O dono falando para um técnico, que instalava cabos de internet:
- Eles chamam de “ditadura” militar. Eu chamo de “regime” militar. Quem é que não gosta de regime militar?
O técnico responde:
- Vagabundo, claro.
Charge de Millôr Fernandes, da época da ditadura (ou será regime?) militar.
POR HOJE É SÓ.
Se gostou, envie o Jacaré de Oficina para os amigos.
Se não gostou…
Eu fiz essa música na beira de um rio, e quem não gostou...
Ouça o vídeo para entender a frase. Quando você tiver a minha idade, vai começar a precisar de legendas como essa, para que entendam suas referências. Se já tem a minha idade ou mais, bom, você já sabe como é...
Até a próxima!
Fabio... "Não existe nada mais antigo do que cowboy que dá cem tiros de uma vez"... A vó é o vô dentro da gente já grita de saudade... Estamos nos tal da gia?... .. Que futuro estranho nos aguarda! ... ABS...
kkkkk.
Quantas lembranças…do tempo em que a gente viajava no “buraco de trás” do Fusca.